domingo, janeiro 09, 2005

Entrevista: Mondo Bizarre #21, Janeiro 2005


Primeiro uma prancha semanal no jornal Blitz. Três anos depois, o livro “Superfuzz-Vai Sonhando, Paiva...Vai Sonhando!”, que compila muitas das pranchas impressas entretanto, e que apresenta o mundo do questionável Paiva e do seu mísero boteco de discos, a Superfuzz. Por entre as aventuras e desventuras deste quasi-anti-herói do rock’n’roll entrevê-se uma inaceitável resistência romântica aos ditames do nosso quotidiano musical e, entre o sorriso amarelo e o piscar de olho, faz-se a paródia de personalidades e situações digníssimas do nosso meio. Quisemos saber quem estava por detrás deste insistente desrespeito a seríssimas instituições nacionais e porque se permite uma coisa destas. Encostados à parede, os culpados, Esgar Acelerado e Rui Ricardo – suspeita-se que os nomes não são verdadeiros –, têm o desplante de assumir a pouca-vergonha e ainda por cima põem em causa mais um enorme conjunto de personalidades acima de qualquer suspeita. Já para não falar do facto de afirmarem que gostar do roquenrole ainda tem alguma justificação possível. Imagine-se!!! Pior ainda, é que há quem opine que a Superfuzz é das melhores coisas que aconteceu ao Blitz nos últimos tempos. Bom, isto há gostos para tudo... Bem tentámos dar algum respeito a uma entrevista feita com tal gente, mas o resultado é o que se pode ler de seguida... Mas afinal quem é que estes tipos julgam que são?


O lançamento da versão em livro da Superfuzz representa para vocês o coroar de um percurso de afirmação? Como revêem estes últimos três anos de trabalho semanal?
Manter o ritmo de publicação semanal ao longo de três anos e meio não é um feito muito comum no panorama dos quadradinhos nacionais. Mas daí a julgar que é a coroação de um percurso ainda vai uma certa distância. Evidentemente, estamos orgulhosos do feito, principalmente por, ao longo das 180 pranchas criadas até ao momento, termos tido liberdade total para escrever e desenhar da forma que nos apeteceu. Somos uns sujeitos com muita, muita sorte! Mesmo quando o trabalho aperta e a Gazeta CRU tem de aparecer pronta todas as quintas-feiras à noite a tempo de enviar para a redacção do Blitz. Mas há questões que nos preocupam um bocado… Será que estamos a fazer as coisas certas? Será que estamos a cumprir os nossos desígnios divinos divinas à face da terra?... Será que o Mundo, logo Portugal, não seria um lugar melhor para todos nós se, em vez de fazermos quadradinhos, trabalhássemos numa repartição das finanças?!... São coisas que de vez em quando nos passam pelo pensamento!...
Como surge o convite do Blitz para criar esta banda desenhada semanal? É uma opção editorial um tanto ou quanto rara no nosso país…
Um tipo com alguns conhecimentos na imprensa devia-nos dinheiro – uma história de um carregamento de droga que tinha chegado ao porto de Leixões que não interessa agora esclarecer. Para nos pagar o dinheiro que entretanto tinha perdido no jogo, arranjou-nos um contrato de colaboração milionário (um esquema marado). Já para o álbum, chantageamos o Portas e o Santana (consta-se um caso amoroso entre os dois) para arranjarmos dinheiro para pagar parte da edição. E, sem entrarmos em detalhes, é verdade, fomos nós os responsáveis pela queda do governo! Se lerem o álbum de trás para a frente vão ver que está lá tudo explicado! Esqueçam o que leram anteriormente noutras entrevistas; foram censuradas pelo SIS que não quer dar a conhecer a verdade! Felizmente, a Mondo Bizarre é uma publicação que não cede a pressões. Até parece que o Dr. Marcelo se vai tornar colunista da revista a partir da próxima edição!...
A Superfuzz é também um modo de partilharem as vossas obsessões e mitos acerca da sub-cultura do rock’n’roll? É que se entrevê por entre os quadradinhos um certo romantismo rockanrolesco militante…
É o que nós gostamos de ouvir na maior parte do tempo… Superfuzz reflecte o nosso gosto em matéria de discos, mas também a nossa experiência de vida. Ambos fomos baixistas, um de nós formou uma editora discográfica, organizamos concertos e desenhamos capas para discos e cartazes… Somos rapazes do meio, pelo menos gostamos de pensar que sim!... Também fizemos parte do grupo Ban na primeira formação, mas preferimos seguir carreiras à homem.
O Paiva é a caricatura de um snob do rock? Um daqueles personagens fetichistas que se imaginam pulular pelas lojas de discos e que já eram motivo de piada no livro “Alta-fidelidade”?
O Paiva é um profundo conhecedor de todas as formas e expressões do bom velho rock’n’roll. Digamos que sim, que é um cavalheiro apreciador dessa nobre arte tantas vezes considerada morta mas que (felizmente) vai renascendo de vez em quando. Gostamos dessa imagem, Paiva como snob… Estamos a imaginá-lo de pantufas e roupão, no final de um árduo dia de trabalho na loja, sentado no sofá da sala a ouvir LPs esquisitos... Quanto ao “Alta-fidelidade”, já metemos um processo ao Hornby, que não perde pela demora!
Os universos do rock’n’roll e da banda desenhada entrecruzam-se inúmeras vezes. São dos últimos bastiões da masculinidade adolescente e pós-adolescente?
Quem tem pêlos no peito gosta de ambos!
Um dos pontos fortes da Superfuzz é a sua capacidade para reflectir o presente, usualmente através da paródia aos tiques do momento. Essa é uma das razões para a existência de uma prancha semanal? É também a razão do seu sucesso?
O ritmo de publicação semanal permite reflectir alguma actualidade; seja a banda da moda ou o concerto do momento… Se a Superfuzz tem sucesso, para nós, é uma coisa que ainda não é bem clara!...
Vocês têm espiões para saber o que se vai passando nos bastidores da nossa cena musical?
Temos espiões em todo o lado. Oferecemos doses de coca em troca de informações importantes. É por isso que sabemos tanto sobre os Xutos, o Portas e o Santana… Assim, pomos todos na linha – HAHAHAHA – piada interna! Ai, esta parte-nos todos…
Há alguma intenção pedagógica ao reflectirem, por exemplo, o que se passa na organização de um concerto, ou na gravação de um disco como o que se passa com as Garina Sem Vagina?
Claro! Até já assinámos um contrato com a :2 para um programa semanal. É que nós fazemos parte da chamada “sociedade civil” e sentimos que temos uma responsabilidade em passar a informação e saber acumulados ao longo de anos! E depois, a maior parte dos discos, e telediscos das novas-bandas-portuguesas são mesmo uma merda! Alguém tem de ensinar alguma coisa a esses miúdos! Por exemplo, ainda há dias estava um tipo duma banda a dizer que o teledisco deles tinha uma figura de fato, com fones, mas sem cabeça que era para se perceber melhor a fisionomia!!! Minha nossa senhora!...
Por outro lado, num país onde praticamente não existem estrelas de rock, e onde a música é olhada com alguma complacência, e até desconfiança, parece ser preciso uma grande dose de boa vontade para imaginar um rock’n’roll lifestyle...
Estamos perfeitamente a marimbar-nos para as estrelas e sobretudo para o país.
A Superfuzz é também a representação de uma nostalgia pelo velho sistema mais imperfeito, mas também mais humano, onde havia a ligação entre um cliente e um entendido que era o vendedor por detrás do balcão? Como coadunam essa representação com um mundo de cadeias multinacionais e partilha de ficheiros via Internet?
É um bocado como aquela loja de discos novos e usados, a “Carbono” só que o Paiva não vende um carago. Somos ambos a favor das cópias piratas e da partilha de ficheiros. É a única forma de acabar com as grandes multinacionais e cadeias de lojas de discos! Só compramos discos em lojas pequenas porque empatizamos com os donos.
Como bom romântico do rock’n’roll o Paiva tem alguns problemas com as mulheres. Acham que essa é uma característica comum aos “maluquinhos da música” que frequentam as lojas de discos?
Sim, esses tipos são uns falhados ao contrário dos autores de BD! Esses gajos são todos virgens e os fluxos vitais condensam-se em exteriorizações de coleccionismo fanático! É um facto cientificamente provado! Há cada cromo a dar um dinheirão por discos que já têm mas que compram de novo só porque a capa é diferente!... Gastem mas é o dinheiro numa boa posta à mirandesa com pinga à maneira, carago!!! Nós – aqueles que têm vidas sexuais activas e satisfatórias –, é o que fazemos! Quanto ao Paiva, ele não é sexualmente frustrado. Há toda uma série de histórias que, por não se adequarem à idade da maioria dos leitores da série, não nos sentimos à vontade para publicar. Talvez um dia… “Superfuzz XXX – Mamas E Guitarradas – O Regresso – Parte 1“. Parece que isto do sexo dá muito dinheiro!
A obrigatoriedade de ter uma “punchline” todas as semanas deve tornar-se cada vez mais difícil à medida que a série se desenvolve. Como é que se consegue e como vêem o futuro da Superfuzz?
Há momentos em que é difícil, sim! Mas nessa altura pomos os nossos colaboradores a trabalhar por nós! É por isso que as coisas às vezes saem melhor do que outras! Quando sai bem, somos nós a fazer; quando sai menos bem, a culpa é dos estagiários da ArtVortex! (risos) O futuro só a Deus pertence, salvo seja. Há dias partimos os dois a mão ao mesmo tempo no braço de ferro – um mês a pôr os escravos a trabalhar, rica vida! Ainda bem que eles eram suficientes para nos ajudar em tarefas mais íntimas (porra, estávamos sempre a sujar o gesso) ….
Gostariam de passar das pranchas semanais para a criação de uma série em álbum, feito muito raro em Portugal?
Não! Está muito bem assim. O álbum acabou por sair, mesmo sendo compilação das pranchas anteriormente publicadas. É muito mais fácil e acabamos por ser pagos em duplicado, pelo Blitz e pela Devir, pelo mesmo trabalho! (risos) Para quê nos preocuparmos?!... E fazer um álbum do princípio ao fim, inédito, é algo de muito complicado, quase impossível, para o nosso pequeno mercado. A não ser, mmmm, que nos debruçássemos sobre algum tema histórico, ou ambiental… tipo, “Os Lusíadas Em BD” ou “O Ciclo Da Água Explicado Às Criancinhas Em BD”! Como nós gostamos é de fazer histórias com drogas, sexo e roque ande role, nada feito!… Já agora, se há livros para crianças sobre sexo, se há livros para crianças sobre música, porque é que não há sobre como enrolar um charuto ou o valor real de um sabugo? Perguntem ao Hermano Saraiva!
Por último, acreditam que o rock’n’roll ainda pode ser sinónimo de uma certa rebeldia e individualismo perante as instituições e os esquemas sociais?
Cada vez mais! Conheces o gosto musical dos miúdos hoje em dia?!... Gostar de rock, comprar um disco de rock, ouvir um disco de rock no liceu não é para qualquer um; é preciso tê-los no sítio! Hoje os putos querem fazer parte do grupo; quando éramos novos queríamos era ser diferentes dos outros todos… Agora, é só “hipope” e pastilha naquelas cabeças!... Ouvir Stooges ou Mudhoney (dois nomes que nos vêm agora à cabeça, entre tantos possíveis de enunciar), é um acto de anti-cultura e prova de individualidade! REVOLUÇÃO, MY BRODA!!! Tá-se? Tá-se.


Jorge Dias, in MB #21